Cartas de Gestão Rural #66

Precisamos falar sobre expectativas de retorno

23 de julho de 2020
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Quanto você espera que a sua fazenda dê de retorno ao ano?

Essa é uma pergunta muito importante. Caso não tenha refletido sobre isso ainda, acho válido se sentar por algumas horas, fazer algumas contas e ter um valor como expectativa.

E, claro, estamos falando aqui do ROE (Retorno sobre o Patrimônio Líquido) ou o ROIC (Retorno sobre o Capital Investido). Caso você não saiba o que são e como calcular estes dois indicadores me responda neste email que vou te ajudar.

Mas o fato é que fazendas não dão retornos astronômicos.

E entenda que não necessariamente precisam dar, ok?

Veja, é uma questão matemática. Imagine uma empresa de tecnologia, a Apple (fabricante dos celulares iPhone) por exemplo, no início da companhia o capital investido era basicamente nulo. Muito baixo.

Dessa forma, qualquer lucro já representava uma rentabilidade elevadíssima.

A empresa começou em uma garagem, provavelmente sem nenhum tipo de investimento significativo. Suponha que o Steve Jobs tivesse aportado um capital de mil dólares na abertura, um lucro líquido anual de 2 mil dólares já representaria 200% de ROE logo no primeiro ano.

Agora imagine um produtor no interior da Bahia, que aportou 2 milhões de reais para iniciar sua fazenda, incluindo terras e outros ativos.

Caso ele tenha um ROE de 7%, estamos falando de um lucro líquido de 140 mil reais. Uma baita grana!

Além disso, jamais podemos separar retorno de risco. São dois fatores que andam lado a lado. São dois lados da mesma moeda.

Quer retornos mais altos? Vai precisar correr mais riscos. É a vida.

Quando o Steve Jobs começou a Apple quem imaginava que o mundo iria se adaptar a um telefone sem teclas e tudo mais que um telefone faz hoje em dia?

De fato existia um risco considerável. Risco de perder 100% do capital investido no início da Apple.

Mas agora, quando você inicia uma fazenda há um alto grau de confiabilidade de que a população ainda vai querer se alimentar, certo?

E é justamente por essa análise de risco (que sempre está ligada ao retorno) que podemos estudar alguma expectativa de rentabilidade na fazenda.

Para isso devemos considerar algum cenário hipotético que seria livre de risco. Obviamente isso não existe na realidade, mas há algo nesse sentido para pensarmos.

Cada país possui a sua taxa básica de juros. No Brasil ela é a taxa Selic. E essa taxa básica de juros é entendida como um referencial de taxa livre de risco. Portanto, podemos entender a Selic como sendo o retorno que pode ser obtido caso não queiramos correr risco nenhum.

Na prática, podemos conseguir esse retorno por meio de algo conhecido como CDI, que acompanha lado a lado a taxa Selic.

Pois bem, se você não quisesse correr riscos, em vez de investir seu capital na fazenda, deveria investir seu capital em alguma aplicação que rendesse exatamente o CDI. Mas já que estamos topando correr certo risco, já que todo negócio tem algum grau de risco, devemos exigir algum retorno a mais, certo?

Mas quanto a mais? Eis a questão.

Essa expectativa de retorno a mais é importante para alinhar a sua visão como gestor da fazenda e os resultados que estão sendo obtidos.

A SLC Agrícola, para mim, é a grande referência brasileira e até mundial sobre gestão de fazendas. Sou fã da empresa e tenho ela como modelo.

E nós trabalhamos isso no curso Gestão Profissional de Fazendas com mais profundidade, mas sabe quanto a SLC Agrícola determina como expectativa de retorno?

CDI líquido + 3,5%.

Líquido no caso é líquido de impostos. Para renda fixa existe a tabela regressiva, mas vamos considerar a menor alíquota que é de 15% sobre o rendimento. Portanto, essa referência vira:

85% do CDI + 3,5%.

No atual momento em que escrevo este texto, a taxa Selic se encontra em 4,25%. Vamos imaginar que ela estava neste valor desde o início do ano e que termine o ano neste mesmo valor.

Dessa forma, de acordo com o referencial da SLC Agrícola, um bom retorno anual se daria à partir de 7,11%.

Reflita um pouco sobre isso.

7% ao ano de retorno na sua fazenda é um valor que está alinhado às suas expectativas?

Na realidade isso se trata de um ótimo valor. Sobretudo quando analisado com uma ótica de longo prazo.

E a verdade é que é difícil conseguir esse tipo de retorno de forma consistente. A própria SLC Agrícola vem lutando pra conseguir, conforme eu demonstro no Gestão Profissional de Fazendas (mas sejamos justos também, pois a taxa Selic esteve muito alta por um um determinado período, o que inviabilizava vários projetos e negócios, dado o alto custo de oportunidade).

Mas isso tudo é extremamente importante para você pensar. Retornos de 20% ou 30% ao ano em fazendas são coisas absurdas! Não digo que não exista, mas é algo completamente fora da curva e eu arrisco afirmar categoricamente que ninguém vai conseguir isso de maneira consistente.

Até acredito ser possível em algum determinado ano específico (seria um ano dos sonhos!), mas de maneira recorrente, novamente eu arrisco dizer que seria algo ilusório.

E para fechar, eu não poderia deixar de mencionar a importância de pensar nessa expectativa de retornos como algo para o longo prazo. Em intervalos de tempo pequenos, 1 ou 2 anos, por exemplo, qualquer coisa pode acontecer.

Em 1 ou 2 anos, a sorte ou a falta dela tem um peso muito grande (mercado, clima, greve de caminhoneiros, peste suína, pandemia).

Em 10 ou 20 anos, a sorte continua tendo um peso importante, mas a competência e a eficiência na gestão da fazenda ganha um peso muito maior.

Exatamente a 4 anos atrás o preço do milho estava em 25 reais! Estamos falando somente de 4 anos! E isso representa uma diferença de cerca de 75% a menos dos valores atuais, pelos dados do CEPEA.

E daqui para os próximos 4 anos tudo pode acontecer. Pode subir mais ainda ou pode cair drasticamente.

Para quem tem visão de longo prazo como eu defendo que você tenha, vamos acabar tendo que passar por fases boas e ruins de mercado. Por isso é muito mais relevante e importante focar internamente na fazenda e na gestão para construção de um negócio sólido.

Abaixo eu trago um comparativo de duas fazendas que damos consultoria e seus respectivos resultados trimestrais e o acumulado dos primeiros 6 meses deste ano. E eu destaco em amarelo o Retorno sobre o Patrimônio Líquido.

Peço que não se apeguem aos valores absolutos, são fazendas de tamanhos completamente diferentes e atividades diferentes. Foquem nos valores relativos, em percentual.

Primeiro a tabela com informações sobre a Fazenda 01, com 3,2% de ROE no 1º semestre de 2021. E em seguida a tabela com as informações sobre a Fazenda 02, com -2,2% de ROE no 1S2021.
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É importante entender que são somente 6 meses e os dados de depreciação ainda não foram computados, pois deixamos pro final do ano. E além disso há um fator de SAZONALIDADE muito importante. Eu particularmente nem gosto de trabalhar com análises de retornos trimestrais e semestrais. O mínimo que julgo adequado são 12 meses e, ainda assim, conforme falado anteriormente, acho pouco tempo.

Mas eu gostaria que você percebesse três coisas:

1) 3,2% de retorno no semestre é ótimo! O CDI no semestre foi de 1,28%. Se pegarmos a referência da SLC Agrícola, o CDI Líquido de 15% de imposto seria de 1,09%. Acrescidos de 1,75% (metade do 3,5% da referência já que estamos falando de somente metade do ano), resultaria em um valor de 2,84% de retorno. Ou seja, na primeira metade do ano, ficamos acima do referencial, o que é ótimo.

2) Um retorno negativo de -2,17% no semestre não é nenhum "Deus no acuda!". Lembre o que foi falado no início sobre risco e retorno. Retorno negativo é sempre ruim, mas -2% não é nada desesperador. Quantas "Apples" não ficaram pelo caminho por apresentarem retornos negativos astronômicos também? Em boa parte das vezes, quando pensamos em desenvolver a fazenda no longo prazo, o trabalho consiste em simplesmente evitar de fazer grandes besteiras que causem prejuízos consideráveis. E -2%, no meu julgamento, está dentro de um valor aceitável. Sobretudo para o modelo de negócios desta fazenda específica em que as receitas ficam mais concentradas no segundo semestre do ano.

3) Essas informações são apenas PONTUAIS! Ou seja, representam apenas um ponto na linha do tempo. E um ponto muito pequeno. Ainda temos mais 6 meses pela frente e, eu espero, mais 6 anos, 12 anos, 24 anos... Isso significa que você deve ter uma clareza muito grande sobre as suas expectativas de retorno e uma cabeça boa para lidar tanto com os bons retornos quanto com os retornos ruins.

E caso tenha computado os resultados da sua fazenda no primeiro semestre do ano, compartilhe comigo. Vai ser ótimo podermos trocar alguma ideia sobre eles.

Um grande abraço,
Gabriel H. Lima

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