Cartas de Gestão #18

O olho do dono engorda o gado?

31 de julho de 2020

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O OLHO DO DONO ENGORDA O GADO?
Acredito que é bem provável que todos já tenham ouvido esta frase que dá nome ao título do texto desta semana.

Mas te convido a fazer algumas reflexões sobre ela.

Vamos começar pelo sentido dela. É claro que o olho do dono não engorda absolutamente nada. Mas esta frase costuma ser dita no contexto de que o dono do negócio tem uma influência significativa no desempenho deste negócio.

"É o olho do dono que engorda o gado", ou seja, a influência, a presença do dono do negócio é que vai gerar os bons desempenhos.

Sinto muito em te dizer, mas isso não passa de um mito. Uma falácia que vem sendo repetida por vários e vários anos.

Deixa eu expor meu ponto de vista e acredito que você vai compreender.

Para começar a história podemos extrapolar o sentido dessa frase para verificar a veracidade dela.

O que eu quero dizer com isso?

Ora, podemos tentar verificar se ela é verdade analisando as situações de forma generalizada. Será que as fazendas que possuem uma influência do dono têm melhor desempenho do que as fazendas que possuem uma menor influência do dono?

Não temos nenhum estudo a este respeito e nem muitos dados para analisar. Entretanto, levanto dois pontos nesta linha de raciocínio:

i) se caso houvesse uma diferença realmente significativa entre as duas formas de tocar a fazenda, acredito que já teríamos visualizado algum movimento neste sentido. Por exemplo, será que empresários investiriam em fazendas mesmo sabendo que não teriam tanto tempo para se dedicar ao dia a dia do negócio? Esse pessoal realmente estaria disposto a queimar dinheiro?

ii) conheço muito pouco e sei de menos ainda, mas já vi produtor que morava em São Paulo com fazenda no Mato Grosso do Sul sendo que o mesmo ia até a fazenda raríssimas vezes no ano e conseguia bons resultados com o negócio. E também já vi produtor que literalmente mora na fazenda e os resultados vivem andando de lado.

Portanto, acho que podemos dizer que, inicialmente, não se pode afirmar nada se o olho do dono vai ser o divisor de águas entre o bom e o mau desempenho.

Mas, gostaria de dar um passo além.

Devemos concordar que o dono é a pessoa que mais possui interesse no negócio, certo? Afinal de contas é o patrimônio dele que está em jogo.

Sendo assim, acredito que podemos concluir que o dono é o maior interessado no bom desempenho do negócio. Ou dizendo de outra forma, o dono é o maior interessado na engorda do gado.

Mas, perceba que isso não significa que será o dono o maior diferencial para o bom desempenho.

Se você é o dono da fazenda e amanhã surge um gestor espetacular, com um ótimo histórico de resultados e propõem para você que ele faça a gestão da sua fazenda e a única coisa que ele pede em troca é autonomia total para tomar as decisões.

Como você é o maior interessado no bom desempenho do negócio (você é o dono e é o seu patrimônio que está em jogo!) e diante da oportunidade de ter um ótimo gestor administrando a sua fazenda, você não deveria aceitar?

Em termos de retorno, desempenho e geração de valor para o negócio, se há a possibilidade de haver um desempenho melhor com o gestor A em vez do gestor B, o dono do negócio deveria sempre preferir que o gestor A fosse a pessoa à frente do negócio, mesmo que o dono seja o próprio gestor B!

Não sei se consegui ser claro no raciocínio, mas em resumo é: não necessariamente o dono vai ser o melhor gestor para a fazenda, pode ser que existam (e existe, pois já vi casos assim) que o dono na verdade seja um fator negativo para o desempenho da fazenda.

Não é o olho do dono que engorda o gado. O que engorda o gado é uma boa gestão, boas decisões e bons funcionários.

E para terminar o texto de hoje gostaria de trazer mais um raciocínio. Desta vez analisando a fragilidade do negócio.

Imagine que a fazenda tenha um dono que realmente faça a diferença para o negócio. Ou seja, imagine que realmente estamos na situação de que é o olho do dono que engorda o gado.

Mas, suponha que o dono tenha que realizar uma operação cirúrgica e não possa mais ir a fazenda por um longo período.

Neste período de ausência, o resultado da fazenda vai cair, já que não teremos o olho do dono lá.

E aí este dono vai precisar conviver com resultados piores neste período crítico de sua vida.

Agora imagine que ele queira sair de férias. Ele vai preferir ter momentos de diversão em troca de desempenhos piores?

E claro, todos nós ainda somos mortais. E ao final de sua vida, a fazenda deveria acabar? Já que o tão precioso olho do dono não vai mais estar lá?

Enfim, quanto mais dependente a fazenda for do olho do dono, pior será para o negócio. Em todos os sentidos.

Procure desenvolver sua fazenda como uma empresa que consiga ter bons desempenhos independe das condições. Seja com o dono ou você lá presente ou não, seja com determinado funcionário ou não.

Procure se responder a seguinte pergunta: se você tirar férias da fazenda por um ano, quando você voltar como ela vai estar? Qual vai ter sido o resultado dela no ano?

Quanto maior a dependência que você tiver para que estas respostas sejam positivas, mais frágil é o seu negócio.

Pense nisso!

Um grande abraço,

Autor
Gabriel H. Lima
Eng. agrônomo e fundador da Maja Consultoria

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