Cartas de Gestão Rural #76

Existe uma bolha de preços no agro?

01 de outubro de 2021
______
Para aqueles que já nos acompanham a mais tempo, sabem que a minha abordagem é de focar nos números da fazenda e não tomar decisões baseadas em mercados.

Na realidade, eu acredito que tomar uma decisão baseada em condições de mercado é uma decisão errada e ponto final. Pode até ser que o resultado da decisão seja positivo, mas o processo decisório foi errôneo.

Importa menos como estão os preços dos produtos agropecuários e mais como estão os indicadores de performance da sua fazenda.

Este é o modo em que eu acredito que gera mais valor no longo prazo.

Mas isso tudo não quer dizer que eu não acredito que devamos simplesmente esquecer as condições de mercado. Após analisarmos os indicadores e números da fazenda, podemos olhar um pouco para como estão os mercados e trabalhar com alguns cenários.

E se fizermos isso para o momento atual? O que encontraríamos?

Já sabemos que 2020 foi um ano de expressivas valorizações de preços em basicamente todas as atividades do agro, seja pecuária ou agricultura.

Mas será que isso é um "bolha" ou há fundamentos que possam sustentar tais preços?

Charles Kindleberger, no livro "Mânias, pânicos e crises" divide as bolhas em algumas fases e acredito ser interessante observarmos algumas aqui.

A primeira fase é a chamada de "Novo paradigma". Ela consiste em alguma mudança abrupta de cenário, pode ser uma nova lei, uma nova tecnologia, uma guerra ou... uma pandemia.

Essa mudança precisa ser forte o bastante para mudar as perspectivas econômicas de algum setor ou da economia como um todo.

A segunda fase é chamada de "Boom". Nela os preços sobem de maneira mais controlada no início, mas depois ocorrem aumentos súbitos e mais vigorosos.

Podemos nos lembrar do preço da @ do boi gordo no final de 2019, subindo para 180, 190, 200 e hoje batendo nos 300 reais. E comportamento parecido pode ser visto também na soja, milho e outros produtos do agro.

Ainda nesta segunda fase, começam a aumentar a atenção da mídia e, consequentemente, o aumento do interesso tanto de quem já está inserido nas atividades quanto de quem ainda não está.

A terceira fase é chamada de "Euforia". Nela os preços explodem e cautela é deixada de lado.

Aqui começam a surgir argumentos para justificar as altas nos preços e o medo é deixado de lado na maioria dos casos. Como diz o autor: "Não há nada que afete mais o julgamento crítico de uma pessoa do que ver um amigo ficando rico".

Como sabemos, estamos vendo vários produtores rurais que simplesmente tiveram lucros recordes em suas fazendas ou algo muito próximo a isso na última safra.

Acredito que todo produtor rural do Brasil deva ter pelo menos um vizinho ou conhecido que vai estar esbanjando. Se você não tiver, pode ser que você seja o vizinho...

A quarta fase é chamada de "Tomada de lucro" e nela alguns que calculam os seus níveis de lucros e rentabilidades percebem que a corda já pode estar muito esticada e aí começam a "fazer lucro" seja vendendo terras ou outros ativos ou sendo mais cautelosos nas decisões futuras.

O interessante aqui é que para quem faz gestão bem feita da fazenda a mais tempo fica fácil enxergar esse tipo de momento. Basta comparar os níveis de margens e rentabilidades atuais contra as médias históricas da fazenda.

E na quinta fase nós temos o "Pânico". Basta algum evento para que algo mude nos cenários e os preços começam a cair de maneira abrupta. E aqui nesta fase é onde nascem os grandes prejuízos e tragédias financeiras.

Se você se interessou pelo assunto e quer ver um exemplo clássico de uma situação de bolha procure por "bolhas das tulipas na Holanda" no Google. É simplesmente surreal.

Mas dito tudo isso, o que podemos concluir? Temos uma bolha de preço dos produtos agropecuários?

Aí que está o problema de ter uma abordagem voltada ao mercado. É simplesmente impossível saber.

Olhando para o passado é muito fácil e claro enxergar algumas bolhas como a das tulipas na Holanda ou na crise de 2008 com o setor bancário dos EUA.

Mas no momento em que estamos vivenciando os acontecimentos você não consegue determinar se realmente se trata de uma bolha ou, se for o caso, em que momento dessa bolha nós estamos.

Os preços podem subir mais ou podem simplesmente despencar amanhã. Não há como saber.

Sendo assim, o que é importante de termos em mente é analisar risco e retorno e, novamente, olhar para os indicadores da própria fazenda!

Uma das coisas que eu mais defendo e procuro ensinar isso para os alunos de nossos cursos e passar para nossos clientes de consultoria é: o que podemos fazer para a fazenda ter bons resultados em qualquer condição de mercado?

Esta, para mim, é uma das perguntas mais importantes que devemos tentar responder recorrentemente. E só é possível respondermos ela quando estivermos olhando para os indicadores (os certos!) da fazenda.

Temos um vídeo publicado no YouTube em que eu falo de 7 indicadores financeiros essenciais para toda e qualquer fazenda. Caso tenha interesse, você pode assistir aqui.


Um grande abraço e ótimo final de semana,
Gabriel

Receba vídeos, textos, aulas e outros materiais sobre gestão de fazendas.